O básico sobre Branding
Onde eu alegremente te decepciono com um artigo claro e preciso sobre o assunto mais místico do Marketing
A falta de cultura no Marketing faz com que ainda seja necessário criar um artigo sobre um tema já amplamente difundido, mas vazio de significado e distante de qualquer consenso mesmo entre as referências do mercado.
Se você fosse um iniciante com iniciativa e visse 10 vídeos no Youtube sobre "o que é Branding", descobriria, frustrado, que ainda não entendeu nada.
Isso talvez aconteça em partes porque o assunto realmente dá margem para interpretações, mas o nível de confusão aponta para uma dedução infeliz:
Os que se dizem "especialistas em Branding" tiram mais dinheiro do seu bolso usando uma definição que beneficia o produto ou a imagem deles do que usando uma definição amiga da razão.
Este artigo é uma tentativa de juntar os pedaços que já estão na sua cabeça para que passem a fazer sentido por inteiro.
Você talvez saiba que Branding tem algumas palavras-chave, como marca, percepção, valor, significado, emoção.
O que você não sabe é como tudo isso faz sentido ao mesmo tempo e, principalmente, por que isso importa e por que grandes corporações investem uma fatia gigantesca de seu orçamento precisamente no fortalecimento de sua(s) marca(s).
Vou te ajudar com isso.
O que é uma marca?
A maioria das pessoas não entende o que é Branding porque ainda não entende o que é Brand - um pedaço bem importante da palavra.
Podemos facilmente encontrar dezenas de definições. Algumas péssimas, como as que ouvi de referências brasileiras ("Marca é uma promessa"), algumas boas, mas restritas ao contexto criado pelo autor, como a do livro Primal Branding ("Marca é um sistema de crenças").
Uma definição que me agrada é a que eu adaptei a partir de uma definição que encontrei no Blog da agência Interbrand. Este é o resultado:
Uma marca é a soma de todas as impressões pelas quais uma entidade pode ser reconhecida.
Eu gosto da definição porque ela abrange dois níveis que geralmente são vistos como opostos.
De um lado, temos os que veem uma empresa apenas na construção de uma boa oferta, com uma boa divulgação e um bom produto.
Do outro, temos os que acreditam na estruturação comunicativa, na repetição de ícones e símbolos e no uso das experiências sensoriais.
A verdade é que Branding abrange tudo isso.
O nível funcional de uma marca
As pessoas de negócios pensam que Branding é besteira porque não pode ser mensurado da mesma maneira que o marketing direto.
Para essas pessoas, o que importa são as questões materiais, diretas e práticas a respeito do negócio:
Quanto vou cobrar?
Onde vou vender?
Como vou promover?
Todas essas definições estão no que chamo nível funcional, pois são o que a empresa precisa para continuar girando e fazendo dinheiro.
Essas questões são necessariamente o início de qualquer negócio, porque todo mundo que um dia vendeu algo precisava de um produto com um preço, um canal e um plano de divulgação.
O que essas pessoas parecem não entender é que todas essas questões funcionais já estão abarcadas na marca.
O produto que você criou se soma à apresentação da marca. O preço que você cobrou se soma à apresentação da marca. O lugar em que você divulgou se soma à apresentação da marca. A comunicação que você usou se soma à apresentação da marca. E até o que o cliente sentiu antes, durante e depois da sua compra se soma à apresentação da marca.
Se uma marca é a soma de todas as impressões pelas quais ela pode ser reconhecida, então a qualidade do seu produto, o seu atendimento e até a reputação do seu funcionário se incorporam à marca.
É precisamente por isso que Philip Kotler disse em seu livro, Os 10 Pecados Mortais do Marketing, que:
"O valor da marca é uma soma de toda apresentação que a marca faz, desde propaganda, passando por vendedores, até o boca a boca" e "a marca evoca um conjunto de expectativas. O valor da marca é o resultado de quão bem essas expectativas são atendidas." Philip Kotler.
No frigir dos ovos, tudo que sua empresa faz comunica, e se tudo comunica, tudo causa uma impressão, e se tudo causa uma impressão, tudo se incorpora à marca.
O nível relacional de uma marca
Do outro lado, temos as pessoas que já acreditam na estruturação comunicativa e na necessidade de causar impressões emocionais e que veem as pessoas de negócios como materialistas demais.
Essas pessoas já entenderam que uma marca não atua apenas no nível funcional, mas também no nível relacional. Elas entenderam o que Margaret Mark e Carol S. Pearson disseram no livro O Herói e o Fora da Lei:
"Todos os produtos têm potencial para serem mediadores de significado. O ursinho de pelúcia pode mediar o amor da mãe e da criança. O carro conversível pode mediar a liberdade. O sabonete pode mediar a purificação. Etc."
Uma marca no nível funcional gera valor para as pessoas ajudando-as a fazer dinheiro, economizar tempo, se esforçar menos, organizar suas vidas, reduzir riscos e todas essas preocupações mundanas.
Já uma marca no nível relacional pode se desdobrar em 3 tipos de geração de valor que vão além da experiência física:
Valor emocional: nostalgia, redução de ansiedade, diversão…;
Valor transformacional: pertencimento, motivação, esperança…;
Valor social: generosidade, filantropia, amizade…
No mercado de trabalho, podemos ver que esse segundo time dominou o assunto do Branding, e muitas vezes eles estão mais preocupados em encontrar uma boa Tagline do que em melhorar o produto - que está uma porcaria.
Talvez eles ainda não tenham descoberto a definição de Branding, e por isso pensam que seu trabalho foge das questões práticas e materiais. Porém, como já dito, Branding abrange essas duas maneiras de pensar, porque o foco não está em um ou outro pedaço do negócio, e sim na marca.
O que é Branding?
Se a marca é uma soma de todas as impressões pelas quais uma entidade pode ser reconhecida, então Branding é a tentativa de causar impressões e de fazer a entidade ser reconhecida por causa delas, certo?
Certíssimo.
Em palavras mais enredadas, poderíamos dizer:
Branding é o processo de causar e controlar impressões para intencionalmente moldar a percepção das pessoas a respeito de uma marca.
(Entre parênteses aqui, confessa pra mim: é um jeito muito mais simples e fácil de definir Branding do que você ouviu dos últimos 50 "especialistas em Branding", né?)
Bom, então Branding deveria ser a área da empresa que gerencia as impressões que as pessoas têm a respeito de todas as expressões que a marca usa, certo?
Certíssimo de novo.
O resultado do trabalho de Branding é precisamente o que as pessoas vão pensar sobre a marca após o uso de símbolos visuais, sons, texturas, cheiros e sabores, mas não só isso: o que as pessoas vão pensar após cada microrrelação com a marca.
A partir do dia em que você descobriu que a Coca-Cola existia, todas as sua relações com a marca (os anúncios que você viu, o gosto do produto, os momentos em que você bebeu, os caminhões que você viu na rua e até os funcionários da Coca-cola que você conheceu) impactaram na imagem que você formou sobre a marca.
E essa relação só vai acabar no dia em que a Coca-Cola desaparecer da sua memória.
Um fato interessante é que uma marca só acaba quando a última pessoa que a reconheceria se esquecer dela ou morrer. É impossível citar uma marca morta porque, se ela fosse citada, significaria que as pessoas ainda a reconhecem, ou seja, que ela existe, e que está apenas inativa.
A Coca-Cola pode fechar as portas hoje, e ainda assim ela vai existir por séculos adiante.
E os arquétipos?
Todo mundo já teve uma fase de achar que os arquétipos são a única maneira de fazer Branding.
Mas a verdade, como você pôde perceber lendo até aqui, é que você nem precisa falar de arquétipos para definir o que é uma marca ou o que é Branding.
E a verdade dos arquétipos é até decepcionante, pois nada mais são do que templates de marca.
Se uma marca é o conjunto de impressões pelas quais uma entidade pode ser reconhecida (vou repetir até você decorar), o arquétipo serve como uma boa muleta para quem não sabe causar impressões de maneira integrada e constante ao longo do tempo.
Você escolhe o arquétipo do Sábio e já recebe um combo de imagens, frases e símbolos que representam o arquétipo. Tudo o que você precisa fazer é usá-los para que sua marca seja reconhecida da maneira esperada para o arquétipo.
Fora isso, você ganha um modelo mental que te permite projetar as impressões que você quer causar e evitar as que você não quer causar: "um Sábio faria isso?"
É um caminho, certamente, mas você não deveria supervalorizá-lo só porque existem 500 perfis de Branding Arquetípico circulando no Instagram.
Apenas considere que existem muitas marcas - e muitas marcas fortes - que nunca pautaram seu desenvolvimento em termos arquetípicos.
Banco da Marca
Embora eu acredite que essa solução conceitual já tenha dado a você uma enorme clareza, digna dos 10 minutos que você gastou para chegar até aqui, ainda não acabou.
Quero te mostrar algo que você pode usar no seu dia a dia para saber se está fazendo um bom gerenciamento da marca que você cuida.
O conceito se chama "Banco de Marca", e está lá no livro O Herói e o Fora da Lei.
Elas usam esse conceito para mostrar que a administração de significado de uma marca funciona como um banco.
A ideia é que, como profissionais de Marketing, podemos fazer depósitos e saques para a marca com que trabalhamos.
Depósitos são reforços aos significados que desejamos criar ou sustentar para a marca;
Saques são o uso da marca para uma campanha, teste ou qualquer coisa que arrisque o significado da marca.
Vamos pegar um exemplo.
Se eu tenho nas mãos uma marca como a Nike, eu faço depósitos quando lanço produtos, faço campanhas publicitárias e ofereço experiências que reforçam a impressão padrão da Nike (atleta, vitória, herói, força, etc.)
Porém, se eu decido destruir a Nike, posso fazer vários saques sequenciais até que a marca se perca: lanço a privada da Nike, faço a campanha publicitária "Don't do it" e ofereço experiências que fazem as pessoas se sentirem incapazes de levantar da cama.
É claro que são exemplos extremos, mas o conceito deixa bastante óbvio o fato de que trabalhar pensando na marca é encontrar um corpo duro que se repete, se reforça e se sustenta ao longo do tempo.
Se o CEO tem um chilique toda semana querendo mudar tudo, nunca haverá uma coerência de significados (um conjunto previsível e identitário de impressões), e portanto nunca haverá marca.
"Mas a minha marca é muito nova… Nem sei o que as pessoas pensam sobre ela e estou testando de tudo."
É por isso que eu disse que gosto do conceito de banco de marca. Acompanha comigo.
O que fazer quando sua marca ainda não marca
Quem está no começo geralmente ignora a preocupação com Branding porque quer começar a "vender logo", e certamente este é um caminho melhor do que ficar paralisado porque não encontrou o propósito ou a paleta de cores perfeita para começar.
Porém, eu gostaria que você considerasse os seguintes pontos:
As pessoas vão ter uma impressão sobre a sua marca independentemente de você se esforçar ou não;
Quanto mais cedo você tem clareza do que quer comunicar, mais cedo você consegue moldar a percepção das pessoas para que pensem exatamente o que você quer que elas pensem;
Vai ser muito frustrante descobrir que você tem um percentual de desengajamento gigantesco nos seus produtos e serviços porque não se preocupou com isso;
As chances de você ter uma comunidade forte que recompra e recomenda seus produtos é muito menor quando você não se preocupa com Branding;
O caminho que eu acho razoável é o seguinte:
O seu foco deve ser vender, sim. Mas necessariamente você vai ter que desenvolver uma série de peças e elementos antes de fazer essa primeira venda.
E todas essas peças e elementos vão exigir decisões de Branding (como as pessoas vão enxergar minha marca se eu utilizar essa combinação específica de expressões?)
Então, se você já vai ter que tomar essas decisões, por que não fazê-lo de forma consciente, mesmo que seu objetivo seja "apenas" vender?
Afinal, eu acredito que você quer que seu negócio continue próspero daqui a 1, 2, 5, 10 anos, e quanto mais cedo você começar, mais cedo vai aprender a jogar o jogo das impressões.
Fora isso, a marca também é como um banco quando estamos falando de juros.
Os seus depósitos vão se somando e rendendo lucros para o significado da marca ao longo do tempo, de forma que um dia você poderá sumir e, ainda assim, a marca continuará forte.
Comece a depositar logo se quiser se aposentar logo.
Pela razoabilidade do Branding
Como dito no começo do artigo, existe mais lucro em ser extremista em relação ao Branding.
Uns vão dizer que é a salvação para todos os seus problemas, outros que é apenas uma distração para o que realmente importa (vender).
Os dois lados estão errados porque estão olhando o Marketing como pedaços isolados, um erro que só principiantes e especialistas cometem.
Precisamos encontrar e reconhecer a razoabilidade do Branding.
Exige esforço, mas não é um bicho de 7 cabeças;
É poderoso, mas não é o elixir do sucesso;
A depender do contexto, pode ser mais ou menos útil, mas nunca inútil;
Existe e acontece, mesmo que você não queira;
Parece que não funciona, até funcionar.
E se você tem algo a acrescentar a essa conversa, seja você um completo iniciante em Marketing, um empreendedor ou um experiente especialista em Branding, deixa um comentário aí embaixo com a sua opinião.
P.S.: neste mês de setembro, a Sociedade do Marketing didatizou todo o conteúdo do livro Primal Branding, caso queira aprender mais sobre o assunto.