Se eu começar esse texto dizendo que nunca fui fã do Instagram, perco credibilidade?
Espero que não.
Estou aqui para fazer um papel cristão.
“Pessoal, por favor, abaixem as pedras. Por acaso esqueceram que alguns anos atrás vocês já amaram essa mídia?”
Os falecidos Orkut e Facebook sabem bem o que está acontecendo aqui. Sofreram na pele o assassinato coletivo cujo alvo agora é o pobre Instagram.
O povo aqui do Substack está naquele êxtase momentâneo da novidade, do terreno inexplorado, do ambiente que é seu e de mais alguns selecionados.
Eles rezam (talvez literalmente) para ninguém mais entrar aqui, para que as publicações sejam apenas aquelas que eles aprovariam, para que aquele pessoalzinho imediatista e sem cultura do Instagram não coloque as mãos no seu novo brinquedo.
Desculpe adiantar as más notícias, mas se essa for a sua mentalidade você passará a odiar o Substack mais rápido do que imagina.
Sua parcela de culpa
Não é lá muito inteligente da minha parte dizer que você é parte do problema, mas que escolha eu tenho?
É fato que a mídia molda o discurso. Antes da televisão, os debates presidenciais duravam quase 10 horas. Depois da televisão, algumas horas. Um pouco mais à frente, poucas horas. E, agora, o Pablo Marçal quase leva a prefeitura de SP com vídeos de 30 segundos.
Mas eu gostaria de lembrá-lo de que nenhuma mídia tem força se não tiver aderência, tanto de uso quanto de credibilidade.
Se você realmente fosse tããão autoconsciente e superior quanto pensa, por que teria gasto tanto tempo numa mídia que você despreza?
Por que teria comprado cursos de pessoas que veicularam seus produtos numa mídia que você despreza?
Por que teria você mesmo se rendido inúmeras vezes à pressão de produzir conteúdo numa mídia que você despreza?
É fácil - e até bonitinho, pela ingenuidade - chegar numa mídia nova e falar mal da antiga, só que em última instância você está falando mal de si mesmo.
O que incomoda no Instagram
A mordida já foi. Hora de assoprar.
Como disse, eu não sou fã do Insta.
Assim como você, eu me sinto sugado lá - e há bastante tempo.
A estrutura da rede não colabora muito com sua felicidade. Em vez de te ajudar com aquilo que te traria alguma realização pessoal, ela te apresenta e te incentiva a seguir desejos supérfluos.
Você não consegue navegar por 10 minutos lá sem que se sinta gordo, fraco, mole, indisciplinado, burro e inútil.
É uma mídia inteligentemente criada para esmagar qualquer individualidade que você acredite ter e pasteurizar seus desejos (não é à toa que toda influencer fitness coma, se vista e fale igual).
Do outro lado, quem aproveita isso, ganha dinheiro, o que só piora a situação. A mídia ensinou um caminho para que pessoas monetizassem cobiça.
No OnlyFans você ganha dinheiro explorando a luxúria, no Instagram você ganha dinheiro explorando a inveja.
Outra coisa que incomoda é essa sensação de enjoo (às vezes físico), resultante dos conteúdos cada vez mais superficiais.
E nem é só culpa dos produtores de conteúdo, tá? Afinal, se eu gravasse um vídeo de 2h, profundo e bem pensado, o Instagram nem me permitira postar.
Pelo contrário, o Instagram te ajuda se você ajudá-lo, com vídeos curtos, de no máximo 90 segundos, com bastantes cortes, ganchos inteligentes logo nos primeiros 3 segundos e um roteiro cuidadosamente estruturado para reter sua atenção (não para te ensinar algo).
O problema do formato
Quando a TV foi lançada, Neil Postman já antevia que os jovens herdariam um consumismo frenético de superficialidade, fofoca e ganância.
Mas foi pior do que ele imaginou. A febre da TV durou pouco, e deu lugar ao vício em uma tela de cinco polegadas, com infinitos vídeos de 90 segundos sobre questões rasas e profundas ao mesmo tempo.
Em 10 minutos, você é apresentado a:
Como funcionam buracos negros;
O segredo que a Apple não quer que você descubra;
“Meu filho pode sentar na janela?”
Algumas bundas dançantes;
O que é o infinito;
"Dá pra viver com esse salário em Balneário Camburiú?";
Como fazer uma janta para 50 pessoas usando 4 ingredientes e com apenas 30 reais.
Olhando de fora, acho que não preciso te convencer de que uma sequência dessas é repugnante e desprezível, certo?
10 minutos se passaram, você não lembra de como funciona um buraco negro, objetificou algumas mulheres, ficou com inveja dos salários de Balneário e se lembrou de quão pobre e ruim de cozinha você é.
10 minutos.
Sem entrar no mérito do conteúdo, você consegue perceber como 10 minutos não são tempo suficiente nem para você fazer o mal?
Essa compactação do tempo deixa tudo misturado o suficiente para você só se sentir angustiado. Não te dá chance para reflexão, e quem dirá para um autoperdão.
Mas o Instagram pode ser bom.
O cafetão digital
Se o Instagram fosse uma pessoa, ele com certeza seria um cafetão.
Todo o seu lucro vem da prostituição de alguém, que só consegue se prostituir porque tem gente para pagar por isso - nesse caso, com tempo e atenção.
Só que, de vez em quando, o nosso cafetão digital é um mediador improvável de algo bom, algo que vale a pena.
É raro, sim, mas todos passamos ou vimos transformações significativas e até transcendentes de pessoas próximas que não seriam possíveis sem o mesmo formato que criticamos até aqui.
A vantagem e a desvantagem do Instagram é te colocar muito mais próximo aos seus modelos. Se você perde o controle dessa relação, se torna ressentido, impotente, invejoso. Se você, porém, usa o Instagram como uma maneira de se rodear de gente boa e que quer a sua melhora, você se sente energizado, inspirado, preparado.
Eu melhorei muito seguindo bons modelos dentro do Instagram. E devo dizer que tive épocas de paixão pela mídia que me permitia entrar em contato direto com as pessoas que eu admirava. Antes do Instagram, você não podia conversar de maneira tão direta, rápida e fácil com um doutor em literatura comparada, um empresário milionário ou uma especialista em musicalização infantil pelo método Kodaly. Agora eles estão lá, disponíveis e, mais do que isso, abertos às suas dúvidas e problemas.
Mas, sim, eu também caí, várias vezes - e caio até hoje - nas mãos do algoritmo, e me torno uma pecinha manipulável, cedendo o bem mais precioso que tenho em troca de ração.
A verdadeira chave para saber se você tem uma relação saudável com a mídia é se perguntar:
Sou eu que estou usando a mídia ou é a mídia que está me usando?
Como redimir o Instagram
Sinto lhe informar, mas o Instagram não vai mudar seus formatos, nem seu algoritmo, nem se excluir do seu celular para te ajudar.
O convite que te faço é para deixar de ser usado pelo Instagram e retomar a posse do próprio tempo - talvez retomar a própria iniciativa.
Assim, você pode deixar de odiar o Instagram, e talvez até voltar a gostar dele.
Eu tenho algumas regras que me ajudam, e que podem te ajudar também, vou falar pausadamente sobre elas e tentar te convencer de que elas são importantes, caso contrário vai ser só mais uma listinha de coisas que você vai deixar para depois.
Regra 1 - Proteja-se do que você quer
Nossos desejos superficiais são fluidos, mutáveis e nunca nos satisfazem verdadeiramente.
O Instagram é uma mídia que apresenta e intensifica desejos superficiais o tempo todo, então você precisa começar a se defender disso, o máximo que puder.
Sempre que estiver vendo um reel ou um conteúdo que inflama um desejo superficial (ter mais dinheiro, ficar mais magro, comprar algo que você não acha que vai usar, etc.), você vai clicar nos três pontinhos (embaixo do aviãozinho - é bem escondido para você nunca clicar) e apertar em “não tenho interesse”.
É claro que você não vai conseguir deixar o algoritmo “sancto”, mas ao menos você começa a controlar o tipo de conteúdo que a plataforma te mostra.
Não se engane: você só está apagando incêndio - o melhor seria jogar o celular na parede.
Regra 2 - Limite seus modelos
Eu me proíbo de seguir mais de 20 pessoas.
Isso é bom porque, primeiro, impede você de passar 1h vendo stories de pessoas que não importam e, segundo, limita suas possibilidades de desejo.
Se você seguir 1.000 pessoas e cada uma delas estiver apontando um caminho diferente para você, como você espera não se sentir paralisado?
O Instagram deve ser um lugar para você encontrar bons modelos, não para seguir infinitos modelos.
Inclusive, se você encontrar um bom modelo em uma área importante para você (ficar saudável), pare de seguir todos os outros e escute APENAS AQUELE - a não ser que você esteja estudando ou refletindo sobre o melhor caminho com sinceridade.
Informações conflitantes numa mesma área impedem você de agir e, portanto, evoluir. Se você seguir uma pessoa que diz que você não deve comer carboidratos e outra pessoa que diz que você deve comer carboidratos, você vai continuar fazendo essa dieta de m**da em que você come pão com manteiga no café da manhã e farinha de linhaça com iogurte no café da tarde.
Regra 3 - Limite o volume
O iPhone tem um recurso para avisar você de que você já passou tempo demais num app. Ative essa função e leve-a a sério.
Se você estiver tão viciado que não consegue limitar seu uso, exclua o App.
Eu fico incrédulo com pessoas que sabem que o Instagram faz mal, não trabalham com isso e não excluem a porcaria do aplicativo.
Você não tem nada a perder, só a ganhar.
Regra 4 - Descubra seus problemas em vez de “achá-los”
Todo mundo no Instagram vai tentar te mostrar que você tem um problema, e que ele é urgente.
Se você cair nesse papinho, vai ser a pessoa mais infeliz do mundo.
Antigamente, nós primeiro reconhecíamos um incômodo ou problema, e depois íamos para o Google ou para o Youtube descobrir como resolvê-lo - e não éramos apresentados a outros 500 problemas no meio do caminho.
Hoje, você pode ser apresentado a 20 problemas diferentes em meia hora. Problemas que nem existiam. Você não estava incomodado ou sentindo-se triste antes. Mas de repente não ter transformado seu ventilador num ar condicionado é o motivo pelo qual sua vida é péssima e incompleta.
Um ponto importante é que, às vezes, as mudanças são objetivamente ou materialmente para a melhor, mas a pressão psicológica que o problema ilusório impõe faz a mudança ser subjetivamente para a pior. Exemplo:
Você não via problema nenhum em ganhar 5.000 por mês sendo CLT, mas você seguiu um cara que prometia que dava pra fazer R$ 30.000,00 como copywriter. Você acreditou e viveu 2 anos a vida que o diabo preparou para você. Você chegou lá, e agora está triste, sem propósito, sem tempo para fazer o que gosta, sem tempo para a família, com a cabeça explodindo de informações e não sabe por que queria tanto ter dinheiro (ah! e isso supondo que você chegou lá, o que não é garantido).
Regra 5 - Abandone a mentalidade instagramável
Tire fotos feias, com o varal de casa aparecendo, com a toalha de mesa suja e com gente de olho fechado.
Pior do que ser um personagem, é ser um personagem que não se parece nadinha com você.
Se você investigar bem, vai perceber que postamos nossas fotos precisamente para causar inveja.
Normal até aí, mas o Instagram, com sua mentalidade “instagramável”, levou isso para o próximo nível:
Calculamos tudo para causar o máximo de inveja possível por conteúdo. Deixa o Finch ganhar o dinheiro dele assim, você não precisa imitá-lo.
Regra 6 - Não se engane
O Instagram é uma mídia de entretenimento. Não pense, nem por um segundo, que você está aprendendo algo lá. Você não está.
Você pode ser apresentado a assuntos interessantes por pessoas interessantes, mas o formato impede o aprendizado.
O formato em que você mais poderia aprender é o Story, mas mesmo uma sequência longa, de 20 stories, corresponde a uma ou duas páginas de um livro.
Eu vejo muita gente que justifica a utilidade do Instagram pelo que aprendem lá. Elas estão se enganando e, pior, estão importando interesses que muitas vezes não têm.
Já teve aquela experiência de querer aprender algo que um modelo mostrou e, na hora de ler um livro ou ver um vídeo longo sobre o assunto, sentiu um tédio mortal? Pois é, então não se engane mais.
Regra 7 - Só abra se for fazer algo lá
Pegar o celular e abrir o Instagram para “ver o que tem"?
Não mais. Essa é a receita infalível para ser usado pela mídia nos momentos em que você poderia aproveitar seu tédio para descansar a cabeça, respirar, meditar, conversar com sua esposa, ficar com seus filhos, estudar algo novo, tomar sol.
Abra o Instagram apenas quando tiver um objetivo na cabeça: “quero ver se aquela pessoa postou algo.” Viu que ela não postou? Saia. Ponto final.
Se você quiser abrir o Instagram para ver Reels, para matar o tempo, então vá também com INTENCIONALIDADE: “vou matar 10 minutos com uns Reels inúteis e superficiais e vou sair.”
E para de endeusar as mídias
Instagram, substack, youtube, linkedIn, Twitter… Eles não são deuses, então pare de tratá-los como se eles dominassem e mandassem na sua vida.
Recupere sua dignidade ao tomar posse do seu tempo e colocar as mídias no lugar delas.
O problema não está lá, ou no povo de lá, ou nos produtores de conteúdo de lá, o problema está em você se deixar levar por tudo o que despreza e depois se ressentir com tudo isso.
O Instagram é uma droga mesmo, mas todos os remédios que você compra na farmácia também são drogas, e apesar de viciarem e terem efeitos adversos, podem ser bons para algumas coisas ou em alguns contextos.
Você vai usar o Instagram para descobrir coisas novas, conhecer pessoas que te inspiram, se relacionar com pessoas que ama… ou vai usá-lo para encontrar problemas que nem tinha, invejar e amaldiçoar pessoas que você despreza e posar como o deus que você sabe que não é?
Assuma a responsabilidade: se o Instagram for bom, é você que o tornou bom. Se o Instagram for ruim, é você que o tornou ruim.
Nunca gostei do Instagram, mas por motivos mais técnicos:
- você não tem como saber a duração dos vídeos;
- você não consegue parar um vídeo no meio;
- pela razão anterior, não dá pra encarar lives na plataforma nem assistir nada importante;
- o texto fica truncado, com letra pequena;
- qualquer vacilo, você “curte” um conteúdo;
- reels segue a lógica alucinante de vídeos curtos infinitos (o criador dessa parte da tecnologia já se disse arrependido, pelo mal que faz às pessoas).
Se usada apenas para procurar produtos e serviços, a plataforma é útil. Tem muita futilidade nessa rede, mas tem muita gente boa também.
Considerando pós e contras, sigo poucas pessoas/empresas e acompanho aqui e ali. E aí dá pra “güentar” bem o tal Insta.
Concordo que é uma questão de tempo para os Notes do Substack arruinarem a proposta original da plataforma e ele virar só mais um X alternativo. “Faz parrrte”, como dizia o poeta.
Gostei muito do texto, Luis.
Tô achando muito cansativo esse papo de "deletei o Instagram" sou um ser de luz. Ninguém é obrigado a nada, mas vale observar nossa relação com os espaços.
No fundo, todas as redes são parecidas. Hoje, o Substack pra mim é muito mais atraente de passar o tempo, mas vejo muita idealização disso aqui. Como se nós, colonizadores do Substack, fossemos superiores. Balela.